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O evento Diálogo de Saberes: Práticas para o Avanço do Manejo Participativo de Pesca na Amazônia Brasileira, realizado em Brasília, de 3 a 6 de fevereiro, reuniu pescadores, técnicos, organizações socioambientais e representantes governamentais em dias intensos de discussões e construção de propostas. Entre os principais resultados do encontro está a elaboração da Carta de Brasília, um documento colaborativo que sintetiza desafios, reivindicações e encaminhamentos para aprimorar a governança e gestão pesqueira na região amazônica.
O Diálogo de Saberes é uma iniciativa co-realizada pela Aliança Águas Amazônicas, WCS e Ecoporé, e que reuniu pescadores, técnicos, pesquisadores, gestores e autoridades ambientais para discutir caminhos para a governança pesqueira na região amazônica.
De acordo com Guillermo Estupiñán, especialista em paisagens e recursos aquáticos da WCS Brasil, a Carta de Brasília, acordada e assinada por todos os participantes do evento, reflete as necessidades urgentes das comunidades pesqueiras e propõe soluções concretas para entraves históricos da atividade.
Para garantir que as demandas cheguem às instâncias de decisão, uma comitiva composta por técnicos, membros da WCS; da organização não governamental Ecoporé e representantes de comunidades pesqueiras apresentou o documento a diferentes órgãos públicos.
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Na última quinta-feira (7/2), a Carta de Brasília foi entregue ao Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), através do ministro André de Paula, e pelo secretário-executivo, Édipo Araújo. No Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), o documento foi recebido pela secretária nacional de Bioeconomia, Carina Pimenta, e por técnicos do Departamento de Gestão Compartilhada de Recursos Pesqueiros e do Departamento de Bioeconomia do ministério.
O comitê realizou, ainda, a entrega da carta no gabinete do senador Beto Faro (PT-PA).
Principais Temas da Carta de Brasília
1. Políticas Públicas
O documento destaca a importância do reconhecimento e valorização da pesca artesanal. Os participantes apresentaram os desafios, como burocracia excessiva e falta de adequação das políticas à realidade amazônica. Entre as propostas está a criação de uma Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para a pesca, ampliação do Programa de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), para inclusão de espécies como o tambaqui. Também propõe-se que o Registro Geral de Pesca (RGP) possa garantir o acesso a outras políticas e benefícios garantidos pelo Cadastro de Agricultor Familiar (CAF).
2. Registro Geral de Pesca (RGP)
O RGP foi reconhecido como essencial para garantir o acesso a direitos e políticas públicas, mas, conforme consta na Carta de Brasília, o registro enfrenta desafios sérios, como demora na emissão, falta de legislação específica para embarcações continentais e exclusão de indígenas manejadores. As soluções propostas incluem a descentralização da análise dos cadastros, fixação de prazos de resposta e regulamentação de embarcações de águas continentais.
3. Monitoramento, Pesquisa e Fiscalização
De acordo com a Carta de Brasília, a falta de fiscalização eficaz e ameaças como narcotráfico, garimpo ilegal e grandes empreendimentos põem em risco a atividade pesqueira e o meio ambiente. A Carta propõe a reestruturação da fiscalização, respeito aos Protocolos de Consulta às comunidades, padronização da coleta de dados e maior apoio à vigilância comunitária por parte do Estado. Também foi destacada a necessidade de descentralização dos Comitês Permanentes de Gestão (CPGs).
4. Mudanças Climáticas
Os impactos severos das mudanças climáticas nas comunidades pesqueiras foram amplamente discutidos, especialmente os eventos extremos de seca, que prejudicam a captura e elevam os custos de produção. As propostas incluem inserir a pesca no Plano Clima, antecipar autorizações para o manejo do pirarucu, conceder auxílio emergencial em períodos de seca e monitorar áreas vulneráveis.
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Compromisso Governamental
Durante o evento, representantes governamentais reconheceram a necessidade de acelerar a adoção de medidas emergenciais e fortalecer a governança pesqueira na Amazônia. Foram anunciados esforços para integrar políticas entre diferentes ministérios, realizar pesquisas para reavaliação do defeso e desenvolver medidas para incluir a pesca no Plano Clima.
A Carta de Brasília segue como um documento-chave para orientar decisões e políticas públicas voltadas ao setor pesqueiro amazônico, reforçando o compromisso das comunidades, técnicos e instituições na construção de um manejo participativo mais justo e eficiente.
Confira aqui a Carta de Brasília na íntegra.