Monitoramento da BR 319

Monitoramento da BR 319

Apesar desta vasta extensão ocupada pelo bioma amazônico no Brasil, o impacto crescente das atividades econômicas na região vem constantemente ameaçando a integridade da floresta. A abertura de estradas são as principais alterações que impulsionam a perda de hábitats na Amazônia.

Mesmo que a situação da cobertura florestal nas áreas de entorno da estrada seja relativamente boa, na realidade não se sabe o quanto estes ecossistemas estão alterados pela extração seletiva de madeira e caça, uma vez que as técnicas de sensoriamento remoto não são capazes de detectar estes efeitos.

Mosaic of protected areas on the lower Purus Madeira River

Diante do contexto observado para a Amazônia e da iminente re-pavimentação da BR-319, rodovia que liga Manaus a Porto Velho, é de crucial importância compreender como são as flutuações naturais das populações, suas densidades e distribuição espacial antes do impacto.

Essa é a única maneira de se medir se as mudanças ocorridas em função da intervenção estão fora do intervalo de variação natural esperado, medido sem a presença do impacto. Ou seja, esta condição inicial deveria ser o ponto zero para qualquer programa de monitoramento.


Desafios da conservação

Diante do contexto observado para a Amazônia e da iminente reconstrução da BR-319 com recursos já previstos pelo PAC – Plano de Aceleração do Crescimento é de crucial importância o conhecimento biológico prévio da região sob influência da obra antes de qualquer novo impacto. Compreender como são as flutuações naturais das populações, suas densidades e distribuição espacial antes do impacto, além de ser a única maneira de se medir as mudanças ocorridas em função da intervenção estão fora do intervalo de variação natural esperado, medido sem a presença do impacto.

Study area

Resumidamente, isso deveria ser o ponto zero para qualquer programa de monitoramento. A presença de gestores, fiscais e pesquisadores nas Unidades de Conservação recém criadas ao longo da BR-319 é outro ponto fundamental, para que não sofram pelo abandono habitual. É importante ressaltar que a rodovia promete ser o portal de entrada para a destruição da floresta na Amazônia Ocidental.

Como exemplos consistentes de desconhecimento sobre a mastofauna da região, podem ser citadas a recente descoberta de um novo primata e os recentes registros (e coleta) do Procyonídeo do gênero Bassaricyon (ainda sem identificação especifica determinada) no baixo interflúvio Madeira-Purus, estendendo em milhares de km sua distribuição conhecida.

Estamos diante de uma oportunidade ímpar para estimar de forma consistente qual seria o verdadeiro impacto sobre a mastofauna e acompanhar as conseqüências de uma rodovia sobre populações animais através da amostragem pré e pos reconstrução, complementando o conhecimento do impacto causado por obras dessa natureza sobre os organismos e ambientes amazônicos. Dada a recente criação das Unidades de Conservação alcançadas por esta proposta (de 2004 a 2008), aliada ao desconhecimento da mastofauna na região, as informações obtidas servirão também como subsídios para a gestão destas.

Abordagem de conservação

Este projeto tem como objetivo geral estimar as abundâncias e as flutuações naturais das populações de grandes e médios mamíferos, visando utilizar esta informação como um ponto inicial do sistema, permitindo avaliar posteriormente o impacto da re-pavimentação da rodovia BR-319 em áreas de proteção integral, uso sustentável e fora de unidades de conservação.

A região a ser amostrada por este estudo abrange três Unidades de Conservação do estado do Amazonas, localizadas no interflúvio Purus-Madeira ao longo de 180 km da BR-319 e áreas circunvizinhas.

Serão instalados 24 transectos de 4 km de extensão distribuídos na floresta de Terra-Firme ao longo rodovia BR-319. Quatro pares de transectos serão instalados e cada uma das diferentes categorias de proteção: dentro de UCs de Proteção Integral (PN-NJ), Uso Sustentável (RESEX-CG e RDS-RA) além de áreas fora das Unidades de Conservação. Cada par será formado por um transecto a um km da estrada e outro a quatro km. Cada transecto será amostrado durante vinte dias, sendo este esforço repetido para cada um dos três anos. Em cada campanha de campo serão amostrados quatro transectos simultaneamente, pertencentes a dois pares. Em cada um dos transectos serão instaladas armadilhas fotográficas e, simultaneamente, serão realizados censos durante o dia. O levantamento de médios e grandes mamíferos também serão realizados em blocos de 30 km de extensão em um trecho de 180 km da BR-319.

De forma geral o que estamos propondo é a construção da hipótese nula da variação natural da abundância da mastofauna, para que no futuro, possamos de fato monitorar e avaliar os impactos da re-pavimentação da BR-319 com um delineamento BACI (Before After Control Intervention) devidamente implementado.

Notícias WCS Brasil

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A reconstrução da rodovia BR-319 vem sendo discutida de forma incessante nos últimos anos. Por um lado, existe a promessa de que a repavimentação da rodovia trará benefícios socioeconômicos, como a redução de custos de transporte, melhoria da inserção de áreas remotas da região com outros mercados e geração de emprego. Por outro, a reconstrução implica em impactos sociais e ambientais severos, uma vez que aproximadamente 90% da zona de influência direta da rodovia é composta de paisagens naturais florestais ainda íntegras. 

Com a emissão da licença prévia (LP) para o trecho do meio, em julho de 2022, a preocupação de especialistas e organizações da sociedade civil com os graves problemas de gestão no processo de licenciamento ambiental cresceu, à medida que também avançam o desmatamento, invasão de terras públicas, conflitos sociais, crimes ambientais, violações de direitos e outras ilegalidades na área de influência da rodovia, impactando na vida de diversas comunidades indígenas e não indígenas que vivem na região. 

Pensando neste cenário, a WCS Brasil, em articulação com as demais organizações que compõem o Observatório BR-319, elaborou um estudo com a análise territorial e situacional, além de recomendações de ações para mitigar os impactos em áreas prioritárias no entorno da rodovia. A nota técnica “Enfrentando os desafios da repavimentação da rodovia que atravessa o coração da Amazônia brasileira” aponta que as obras no trecho do meio podem aumentar o desmatamento na região, uma vez que a rodovia já é um vetor de degradação ambiental sem estar completamente pavimentada. Um modelo de simulação publicado em 2020 mostrou que o projeto de reconstrução da BR-319 “levará ao desmatamento acumulado de 170.000 km² até 2050 – valor quatro vezes maior do que o valor simulado considerando a taxa média histórica de desmatamento dessa região”. Daí a necessidade de desenvolver mecanismos de conservação imediatos para mitigar os impactos na área, defende a publicação. 

No estudo, a WCS Brasil fez um zoneamento e identificou 18 potenciais áreas de intervenção no entorno da rodovia BR-319 dentro do Amazonas, levando em conta critérios de importância como floresta e carbono, rede ecológica e dados biológicos, e de urgência, como desmatamento e uso do solo, uso da terra e capacidade, fatores antrópicos (ações exercidas por humanos), posse de terras, pressões e ameaças. 

“Dentre as 18 potenciais áreas, priorizamos oito, considerando a estratégia de mitigação proposta, aqui orientada para prevenir e reduzir impactos ambientais indesejados; conter os vetores de avanço do desmatamento em ambos os lados da rodovia; e evitar o crescimento insustentável de novos polos de desenvolvimento e expansão acelerada de estradas secundárias e ramais rodoviários ilegais”, diz a nota técnica. 

O estudo parte do entendimento de que os efeitos da repavimentação não se restringem às áreas diretamente acessadas pela rodovia, mas, também atingem uma série de setores sob influência de estradas planejadas que conectam a BR-319 a setores dos municípios no interflúvio entre os rios Madeira e Purus. Essa área inclui Manicoré, Borba, Novo Aripuanã e Tapauá que numa primeira vista supostamente não estariam sendo afetados diretamente pelo traçado da BR-319. 

“As estradas existentes e mesmo as que ainda estão apenas projetadas podem causar efeitos ambientais de extremo impacto sobre a região e sua sociobiodiversidade, transformando toda a região da Amazônia Central numa nova frente de expansão do desmatamento, queimadas e degradação de toda ordem, explica o diretor da WCS Brasil, Carlos Durigan. 

Áreas prioritárias - As oito áreas prioritárias identificadas pelo estudo localizam-se nos municípios localizados na chamada a área de influência da BR-319 e que compreendem o trecho do meio da rodovia. Elas foram nomeadas trecho do meio 1, 2 e 3, Careiro, Manicoré, Humaitá, Tupana e Lábrea. O estudo avaliou características determinantes para o estabelecimento dos tipos de mecanismos de conservação e ações a serem implementadas nas zonas definidas no mesmo. 

Foram mapeadas informações como cobertura do solo, áreas protegidas existentes, taxa de desmatamento, principal uso da terra e existência de territórios indígenas. Além disso, o estudo apontou mecanismos de conservação aplicáveis, Soluções Baseadas na Natureza (SBN), frentes de ação sugeridas e estratégias de mitigação propostas pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA). 

“Observamos que as áreas selecionadas para o estudo são, em sua maioria, caracterizadas pela diversidade de formações florestais existentes nesta região, com taxas de desmatamento entre alta a moderada, que podem ser ampliadas caso medidas preventivas de conservação do território não sejam tomadas. São áreas que possuem alta diversidade biológica e são base de vida de povos indígenas e comunidades locais não-indígenas localizadas em terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo. As estratégias de mitigação de impactos sugeridas envolvem conservação, restauração e uso sustentável do território e seus recursos naturais, além da mitigação de impactos diretos e indiretos da rodovia”, afirma Durigan. 

Recomendações  - Por fim, a nota técnica apresenta seis recomendações gerais com o objetivo de contribuir para os debates sobre estratégias de conservação e formas de intervenção territorial que devem ser tomadas na área de influência da BR-319. “Além de auxiliar na mitigação de impactos, essas ações podem conter o desmatamento que avança na zona de influência da rodovia e também oferecer uma perspectiva adicional para outras organizações que se debruçam sobre a busca de soluções das questões relacionadas à BR-319”, diz Carlos Durigan. 

As recomendações incluem o fortalecimento das ações de fiscalização das áreas protegidas incluídas por sua vez no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) para desacelerar o avanço do desmatamento e para cumprir as metas da agenda de emergência climática a longo prazo; fomentar o estabelecimento de acordos voluntários de uso da terra e encorajar a conservação da natureza regional a partir do manejo de recursos naturais que incluam a construção de mecanismos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA); encorajar mecanismos de compensação ambiental nas áreas de intervenção priorizadas, em coordenação com outras intervenções públicas e privadas; fomentar acordos ambientais multilaterais (MEAs) entre governos, indústria, comunidades e/ou ONGs e contribuir para o fortalecimento de acordos de cooperação entre órgãos governamentais, com o objetivo de promover atividades de conservação alinhadas à estratégia de mitigação proposta; promover ações de conservação em áreas públicas relacionadas ao manejo sustentável de recursos hídricos para mitigar a pressão derivada do desmatamento, da mineração e da pesca comercial não regulamentada; e capacitar atores locais para o estabelecimento de atividades produtivas, agrícolas e extrativistas de baixo impacto ambiental e para o fortalecimento de iniciativas com ênfase em sociobioeconomia.

Confira a publicação completa disponível na biblioteca deste site nas versões em português e inglês.

A publicação foi elaborada pela Wildlife Conservation Society (WCS Brasil) com financiamento da Fundação Segré.

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